Estratégia militar de Putin na Ucrânia: os russos ‘empacaram’? Onde querem chegar? Especialistas analisam

Especialistas apontam no que os russos foram bem-sucedidos até o momento e o que pode ter obrigado a reverem suas estratégias. Segundo eles, é natural que se reveja os planos de confronto durante o desenrolar das operações. Rússia usa na Ucrânia mesma tática de guerra que aplicou na Síria e Chechênia
Depois de 24 dias de guerra na Ucrânia, a Rússia conquistou apenas uma grande cidade, Kherson. Os russos ainda não foram capazes de cercar totalmente a capital da Ucrânia, Kiev, e mesmo cidades que já estão cercadas há dias, como Mariupol, ainda não caíram.
A estratégia russa na Ucrânia deu errado? Especialistas em confronto militar ouvidos pelo g1 afirmam que não dá pra dizer isso. É preciso, dizem eles, colocar em contexto algumas condições, como o extenso tamanho do território da Ucrânia e o tempo que os ucranianos tiveram para se preparar para responder os invasores.
Tanque em região separatista da Ucrânia
Alexander Eemochenko/Reuters
Nesse texto, você vai ver:
Quais são os objetivos militares de Putin na Ucrânia?
Por que a operação russa parece ter “empacado”?
Por que os russos não entraram com mais força no território ucraniano?
Qual o plano dos russos para os civis na Ucrânia?
Os russos enfrentam problemas logísticos?
Afinal, qual o objetivo militar da operação?
Não há uma declaração oficial das forças russas que explicita qual é a meta militar que eles perseguem.
É impossível dizer, por exemplo, se Vladimir Putin pretende anexar o território ucraniano, explicam Carlos Frederico e o coronel Alexandre Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil.
“Sabemos, pois isso foi afirmado publicamente, que há uma demanda pelo reconhecimento da soberania russa sobre a região da Crimeia e pelo reconhecimento da independência da região de Donbass”, afirmam.
Os dois objetivos militares russos mais importantes, segundo Ronaldo Carmona, pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), são os seguintes:
conquistar Kiev;
dominar a costa do Mar Negro.
Forças russas intensificam ataques a cidades portuárias da Ucrânia na costa do Mar Negro
Kiev, claro, é a capital do país. O segundo objetivo é mais estratégico por várias razões: o Mar Negro é um gargalo para a esquadra russa. Os russos têm as águas geladas em seu litoral no norte, mas o acesso às águas do Mediterrâneo se dá pelo Mar Negro, cujo domínio é importante para consolidarem seu poder naval para vários fins.
Os russos empacaram?
Relatórios de inteligência de países como o Reino Unido afirmam que os russos enfrentam dificuldades não previstas e que, a essa altura, imaginavam já ter conquistado o controle da Ucrânia.
Mas não é bem assim, diz Carmona. Os russos estão sendo relativamente bem-sucedidos no cerco a Kiev, opina: “Nenhuma grande cidade sitiada, sem armas, sem luz, sem gêneros alimentícios sobrevive muito tempo. É um passo para Kiev colapsar –já se cogita transferir a sede de governo para Lviv. Dificilmente os russos vão tentar fazer um combate de rua a rua, de casa a casa. Na história militar dos russos há a batalha de Stalingrado, os nazistas entraram nessa, rua por rua, casa por casa, e foram derrotados pelo Exército Vermelho.”
Comboio militar das forças-armadas da auto-proclamada Uma visão mostra um comboio militar das forças armadas da auto-proclamada República Popular de Luhansk, na região de Luhansk na Ucrânia
REUTERS/Alexander Ermochenko
A conquista da Ucrânia é complexa por vários fatores. Carmona destaca dois:
O tamanho do país, um território de área semelhante ao do estado de Minas Gerais;
O tempo que os ucranianos tiveram para se preparar.
“A imprensa ocidental fala desde o ano passado que poderia haver uma invasão, era claro de onde viria a invasão. Além disso, a Otan vem treinando e oferecendo armamento complexo para as forças ucranianas há tempos”, afirma ele.
Áreas de Donetsk e Luhansk, reconhecidas como independentes pela Rússia
Arte g1
No começo houve a impressão de que os russos poderiam tentar uma blitzkrieg, um avanço muito rápido, mas isso só é possível em terreno onde há menos resistência, e não é o caso, diz ele: “Essa invasão estava escrita nas estrelas, os ucranianos têm o aparato da Otan e dos EUA como assessores militares, é natural que os russos não consigam progredir rapidamente”, afirma ele.
A sensação de lentidão e de que pode ter havido um erro estratégico dos russos se deve em parte ao fato de que os combates em áreas urbanas têm essa dinâmica mais lenta, porque é necessário aproximar as tropas para investir sobre os centros urbanos, afirmam Carlos Frederico e o coronel Alexandre Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil.
Eles dizem que até pode ser que os russos tivessem, inicialmente, a intenção de uma ação mais rápida, mas rever uma estratégia durante os combates não é nada extraordinário: “Assim como em qualquer outra seara, nos conflitos, as lições se dão a partir do estudo, pesquisa e reajuste de estratégias e expectativas; a abertura de quatro frentes de combate não é tarefa simples, exigindo muita coordenação e controle para cumprir os objetivos militares. Não sabemos se a velocidade é a prevista por Moscou ou se há um atraso”, afirmam.
Por que os russos não entraram com mais força?
Bombardeio atinge prédio residencial em Kiev
Os russos têm mais armamentos, que não foram empregados ainda. Mas não se sabe qual é a verdadeira avaliação russa sobre a velocidade da operação, dizem os professores.
Carmona, do Cebri, afirma que se os russos entrassem com muita força em ambientes urbanos, por exemplo, o número de baixas civis seria elevado exponencialmente. Ainda que haja baixas civis, diz ele, isso não é parte da estratégia russa.
Qual o plano para os civis?
“Os russos possuem armamentos não utilizados, como armas químicas e atômicas. Eles vêm escolhendo a destruição de alvos militares, em sua grande maioria. Infelizmente, neste cenário, outros alvos também acabam sendo atingidos, gerando grandes perdas de vidas humanas”, dizem Frederico e o coronel Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior.
Carmona vai na mesma linha: “Não interessa à Rússia cometer um massacre, dizimar a população, o objetivo atualmente é ganhar a guerra, e para isso o alvo são as forças militares adversárias, e não a população civil”.
No entanto, em guerras acontecem episódios em que pessoas cometem barbáries, mesmo que isso seja contraproducente para o país do exército que as executam. Há imagens de civis e prédios residenciais que foram atacados.
7 de março – Homem segura crianças durante fuga da cidade de Irpin, a oeste de Kiev, na Ucrânia
ARIS MESSINIS / AFP
Os russos enfrentam problemas logísticos?
Imagens de satélite mostram comboio militar russo se aproximando de Kiev
Satellite image ©2022 Maxar Technologies/Handout via Reuters
O avanço russo inicial em território ucraniano foi significativo e uma das consequências disso é que a linha de suprimentos da tropa fica “esticada”, dizem os professores da Escola de Comando Maior. “São diversos os relatos de que a Ucrânia utilizou de estratégia deliberada de ataque às linhas de suprimento do adversário, causando a necessidade de reagrupamento para redesenho estratégico. A logística é fator limitador para qualquer Exército do mundo, em qualquer teatro de operações existentes. Mas não se pode afirmar que esse é o maior problema russo no momento”, dizem eles.
Carmona afirma que há muita propaganda nos relatos que descrevem os problemas logísticos: “Isso seria de um amadorismo gigantesco, a Rússia tem uma experiência de séculos, derrotou o Napoleão, derrotou o exército nazista, e o povo russo está acostumado ao confronto e à guerra”.