Defesa de idosa mantida em trabalho análogo à escravidão por 50 anos diz que indenização pode atingir cifra milionária

Família está ‘satisfeita’ com valor destinado à vítima. Idosa é submetida a situação análoga à escravidão por décadas em Santos
A indenização da idosa mantida por uma família em trabalho análogo à escravidão por 50 anos pode superar os R$ 670 mil. A defesa de Yolanda Ferreira, de 89 anos, aponta que, com o reconhecimento da Justiça em relação aos direitos de depósito do fundo de garantia, horas extras e trabalho aos domingos e feriados, é capaz de que haja uma correção nos valores e que a soma a receber chegue a R$ 1 milhão – pedido inicial do procurador para reparar os danos morais da vítima.
Ao g1, a advogada Marilia Schurkim, representante de Yolanda no processo, explica que a decisão de indenização por danos morais foi de R$ 500 mil. Segundo ela, é o complemento de R$ 170 mil – montante que se refere aos pontos destacados acima – que ainda deve ser revisado.
“É o salário acrescido de hora extra que vai refletir em todas as outras verbas. Então, provavelmente, na liquidação de cálculos, ultrapasse este valor [excedente de R$ 170 mil], aproximando-se do pedido do procurador”, explica a profissional.
Família satisfeita
Ainda de acordo com Marília, a decisão da Vara de Santos do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo [TRT-SP], oficializada na última terça-feira (26), deixou a família da vítima “satisfeita”.
Trata-se de justiça. Para a família dela, o valor, que não é tão grande perante o sofrimento vivido, é satisfatório e possibilita que ela tenha algo para chamar de ‘seu’ no fim da vida. O sofrimento, em tese, ‘valeu a pena’ para que tenha o que é seu e com dignidade
Yolanda Ferreira, de 89 anos, foi mantida em situação análoga à escravidão por 50 anos
Reprodução/TV Tribuna
Relembre o caso
Yolanda foi admitida nos anos 70 como empregada doméstica para trabalhar na casa de uma mulher em Santos, no litoral de São Paulo. A vítima, que é negra, contou à Justiça que havia perdido a carteira de identidade (RG) e que foi “contratada” com a promessa de que os patrões a ajudariam a providenciar um novo documento.
Entretanto, conforme relatou, isso nunca aconteceu. Ela ainda foi impedida de guardar valores – inclusive dinheiro em espécie -, e nunca conseguiu sair para solicitar novas vias de seus documentos. Yolanda disse ainda que quando pedia para procurar os familiares, respondiam que, se ela fosse, perderia para sempre o abrigo e alimentação.
Com o passar dos anos, a situação de saúde da vítima piorou, e as violências física e psicológica se intensificaram. Segundo depoimento dela, as filhas da patroa a xingavam e as humilhações eram constantes, assim como as agressões físicas.
Segundo o MPT, em uma dessas ocasiões, uma vizinha resolveu denunciar o caso à Delegacia de Proteção às Pessoas Idosas, para onde enviou uma gravação das agressões verbais, em que se ouvia uma das filhas gritando: “(…) essa sua empregada vaga*****; essa cretina, demônia (…)”.
Filhas procuravam vítima há 50 anos
Ainda de acordo com o MPT, as duas filhas da empregada doméstica a procuraram nesses 50 anos, sem saber se a mãe estava viva ou morta. No entanto, era impossível encontrá-la, já que ela era mantida fora dos registros pelos antigos patrões. Por isso, chegaram a imaginar que a mãe havia morrido.
A primeira filha morreu sem realizar o sonho de reencontrar a mãe, segundo texto inicial da ação trabalhista. A outra, desenvolveu graves problemas psicológicos devido o desaparecimento da mãe.
A ex-patroa da vítima e uma de suas três filhas morreram em 2021. Outra filha já havia morrido antes de o caso vir à tona. O MPT, por sua vez, considera que todas se beneficiaram diretamente da situação degradante de Yolanda, já que também administravam a casa e lhe davam ordens diretas, aproveitando-se do fato de que havia alguém para cuidar da mãe em tempo integral, sem custo algum.
VÍDEOS: g1 em 1 Minuto Santos