Litoral

Mulher revela ‘pesadelo’ após Justiça decidir tirar sua geladeira em SP: ‘Durmo assustada’


Eletrodoméstico avaliado em R$ 2 mil será leiloado para amortizar dívidas contraídas entre 2013 a 2015 em Santos, no litoral de São Paulo. Geladeira usada por casal é penhorada para abatimento de dívidas de aluguéis em Santos, SP
Arquivo Pessoal
Um casal teve a geladeira, avaliada em R$ 2 mil, penhorada para o abatimento de aluguéis atrasados entre 2013 a 2015, em Santos, no litoral de São Paulo. Ao g1, a mulher que terá o eletrodoméstico leiloado, e que preferiu não se identificar, disse não ter um momento de paz. “Durmo assustada pensando no barulho da porta, achando que é o oficial de Justiça para buscar a geladeira”.
A determinação para leiloar o bem é do juiz Frederico dos Santos Messias, da 4ª Vara Cível do município. As dívidas atualizadas ultrapassam R$ 22 mil, segundo último levantamento em 2017.
Ao g1, o advogado Bruno Bottiglieri explicou que a mulher morava sozinha no imóvel e, após passar por problemas financeiros, não conseguiu pagar a dívida. “[Ela] entregou a chave do imóvel, saiu e foi morar de favor. Na sequência, acabou conhecendo o meu cliente e foi viver com ele, no Macuco”.
Segundo Bottiglieri, a penhora dos bens foi realizada em 2 de fevereiro de 2021. Entre os itens presentes no auto de penhora e avaliação estavam: uma televisão de 40 polegadas, dois sofás, uma geladeira, uma máquina de lavar roupas, uma cama de casal, uma cama de solteiro e dois guarda-roupas.
Apenas a geladeira, porém, pertencia ao casal. Os demais bens haviam sido comprados pelo homem antes do relacionamento e, consequentemente, da dívida dos aluguéis. O advogado conseguiu provar essa relação e os demais itens não serão leiloados. “Esses bens eram só do meu cliente e foram adquiridos antes da união dos dois”.
Um novo pedido da penhora do eletrodoméstico foi realizado em 3 de março deste ano e o juiz deferiu no dia seguinte, determinando que fosse feito o edital e fixando a permissão do leiloeiro. “A dívida poderia, em tese, recair sobre esse bem, que foi adquirido durante a união estável. Acontece que tem uma lei que fala que é impenhorável os bens guardados e o juiz não respeitou isso”.
Art. 833. Código de Processo Civil. São impenhoráveis: II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.
Televisão, sofá e guarda-roupas estão entre os itens que também seriam penhorados em Santos, SP
Arquivo Pessoal
De acordo com o advogado, atualmente, o processo está suspenso por 30 dias. “Entrei com um recurso que a gente chama de agravo de instrumento para discutir a respeito, nem mais com relação à geladeira, mas discutir em relação ao depósito prévio porque meu cliente é dono de metade da geladeira”.
Considerando que o eletrodoméstico foi avaliado em R$ 2 mil, ele pede para que o homem receba o valor de R$ 1 mil para a compra de outra. “[Assim] ele pode entregar a geladeira, já que é um bem indivisível, [mas] o juiz indeferiu e eu recorri”.
O oficial de Justiça chegou a ir até o imóvel do casal para retirar o eletrodoméstico, mas não conseguiu porque o leiloeiro não apareceu com o caminhão. Segundo o advogado, se a mulher se negar a entregar a geladeira, ela pode ser presa com o companheiro.
Risco de nova penhora
De acordo com o advogado, se o casal comprar uma nova geladeira corre o risco de o eletrodoméstico ser penhorado novamente, pois será um bem adquirido durante o relacionamento. “Vai ficar em um ‘looping’ [sempre acontecendo o mesmo]”.
“Esse é o maior problema porque se os juízes começarem a entender dessa forma, uma pessoa humilde que tiver dívida até de banco não vai ter mais condição de ter uma geladeira e um fogão em casa”, argumentou.
Bottiglieri vê a situação como preocupante. “A gente acabou de passar por uma pandemia e existe uma série de pessoas que estão devendo e estão tentando negociar e, muitas vezes, por conta de juros e multa não conseguem. Então essas pessoas são mais vulneráveis, estão sujeitas a perder bens, isso é o que mais me preocupa, não só como operador de direito, mas como cidadão mesmo”.
Em 26 de maio deste ano, o advogado entrou com um pedido de retificação do mandado de entrega dos bens expedidos anteriormente que, segundo ele, continha erro de penhora, pois o juiz tentou penhorar a geladeira, mas é apenas 50% do eletrodoméstico. “A outra metade é do meu cliente. Aí pedi para retificar o mandado para constar 50% para a totalidade da geladeira, mas o juiz indeferiu”.
“Uma pessoa pode ser expropriada de uma geladeira, uma pessoa que não tem nada a ver, que é o marido dela, pode ser expropriada da própria geladeira e não tem nem direito de poder comprar outra, ou seja, vai ficar sem geladeira?”, finalizou.
‘Bola de neve’
A mulher endividada disse ao g1 que conheceu o atual companheiro no Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande, enquanto acompanhava a situação do irmão, que estava internado. “Sem poder trabalhar, os problemas foram crescendo como uma bola de neve. Não pude pagar [a dívida] e acabei entregando o apartamento. Depois, fiquei uns dias na casa de conhecidos até que meu atual companheiro me acolheu”.
Ela conta que o companheiro a ajudou quando mais precisava, quando não tinha sequer onde morar. “Fiquei sem emprego por três anos. Só em 2017 que consegui arrumar [trabalho]. Agora, por infelicidade, a empresa fechou e estou desempregada novamente”, lamentou.
A mulher ressaltou que os bens que tentaram penhorar não são dela. “Não precisava de tudo isso. Queria ter uma oportunidade de falar da minha vida, de tentar mostrar como está a minha situação. Espero que a Justiça olhe mais para o outro lado, não de quem está processando, mas de quem está sendo processado”.
Outro lado
Por meio de nota, o advogado Paulo Roberto de Oliveira, responsável pela defesa do locador do imóvel, disse que a penhora da geladeira foi validada em 1ª e 2ª Instâncias e que, além disso, a devedora nunca se posicionou no sentido de apresentar algum tipo de proposta de pagamento.
“Ela ficou de outubro de 2013 a março de 2015 morando no imóvel do meu cliente sem pagar um centavo sequer. E, desde então, meu cliente busca na Justiça o recebimento de algum valor a fim de ‘amortizar’ pelo menos parte do imensurável prejuízo ocasionado”, disse Oliveira, em nota.
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