
Mulher escolheu cuidar das crianças ao invés de manter carreira de sucesso em profissão que ama. Confeiteira que precisou interromper carreira cita ‘perda da independência financeira’
Décadas de empreendedorismo colocadas em segundo plano por conta da saúde dos filhos. Esta foi a escolha feita pela confeiteira Camilla Mariano de Oliveira Allegre, que precisou parar de trabalhar por três anos com o que amava e garantia a sua independência financeira, uma vez que as crianças desenvolveram alergias aos ingredientes de seus doces, entre outros alimentos.
A moradora de Praia Grande, no litoral de São Paulo, hoje vive feliz ao lado do marido e dos dois filhos, que foram curados em 2021. Porém, a família passou por momentos difíceis nos primeiros anos de vida das crianças, que atualmente têm três e quatro anos.
Ao g1, a mulher conta que é “empreendedora desde criança”, e começou vendendo sabonetes enfeitados. Apesar do amor pela vida profissional, nunca se encaixou em um emprego “comum”. O sonho, na verdade, sempre esteve na independência e, principalmente, na produção própria de chocolate.
Após anos trabalhados em busca do que tanto desejava, ela conquistou uma fiel clientela na cidade e conseguiu finalmente viver dos frutos do serviço. Porém, após o nascimento da filha, em 2018, e do filho, em 2019, a decisão de “pendurar as luvas” precisou ser tomada.
Maria Julia Mariano de Oliveira Allegre foi diagnosticada com alergia a proteína do leite, soja, ovo, feijão, banana e amendoim quando tinha apenas três meses. O irmão, Rafael Mariano de Oliveira Allegre, por sua vez, foi diagnosticado com alergia a proteína do leite, soja, ovo e melancia e amendoim logo no primeiro mês de vida.
A vida e as alergias
Os sintomas da menina, de acordo com a mãe, eram de diarreia, constipação, distensão abdominal, manchas vermelhas na pele, olhos inchados, edemas pelo corpo e urticária, além de fissura anal.
A relação da Camilla com a carreira, então, começou a ser abalada na medida em que as reações da criança aumentavam. “A última Páscoa que trabalhei foi a de 2018. Foi um período de muito sofrimento [para a filha], e eu não sabia o motivo”.
Maria Julia, filha de Camilla, apresentava distenção abdominal entre as reações alérgicas
Arquivo Pessoal
A família foi em busca de um diagnóstico e, após muita procura e diversas consultas com médicos da área, o problema foi identificado. Segundo a mulher, embora a filha ainda mamasse, reagia aos alimentos ingeridos pela própria mãe e também aos “traços” dos alergênicos, ou seja, os resquícios das comidas em utensílios de cozinha.
Foi quando eu tive que abdicar de vez o chocolate. A minha casa era uma ‘chocolateria’. Tive que tirar tudo, plástico, silicone, madeira, teflon. Ficam partículas ali que contaminam e podem gerar reação. Foi uma descontaminação geral, e a partir daí ela começou a apresentar uma melhora
Em um cenário mais controlado, Rafael nasceu. As reações do menino começaram logo cedo, e como a família já estava por dentro do assunto, o diagnóstico foi mais simples. A mãe relata que os principais sintomas do filho se manifestavam na pele, com urticária, e também refluxo oculto, que gerava engasgos.
A parte mais difícil, ainda segundo Camilla, é que além dos “traços”, o menino também reagia a “contato”. “Se alguém comesse um bolo, tomasse um copo de leite, pegasse ele no colo e desse um beijo, tinha reação”.
Rafael, segundo filho de Camilla, apresentava alergias na pele entre os principais sintomas
Arquivo pessoal
A mulher lembra de um episódio marcante para toda a família: quando Rafael comeu melancia. “Testei direto nele, e quase perdi meu filho. Estávamos no casamento da minha prima, e ele se engasgou com o refluxo. Demorou quase dois minutos para voltar, e chegou a ficar roxo. Depois, a reação passou, graças a Deus”.
Tratamento e cura
O g1 conversou com a nutricionista especialista em pediatria, Karine Durães, que acompanhou de perto o caso de Maria Julia e Rafael. A profissional iniciou os atendimentos às crianças em outubro de 2019.
“Quando a gente fala de alergia alimentar, o primeiro passo é retirar o alérgeno. Então, fizemos uma história clínica para entender quais eram os alimentos que, de fato, estavam fazendo diferença na saúde deles. Ao mesmo tempo, incluímos outras comidas e receitas que eram saborosas e nutritivas, que supriam a necessidade das crianças tanto do ponto de vista nutricional quanto social”, detalha.
Camilla, por sua vez, ressalta o “protocolo” que foi relatado a ela pelos médicos que acompanharam o caso. “Existem os testes. Como os meus filhos, por exemplo, reagiam a ‘contato’, deveríamos começar a frequentar praças de alimentação de shoppings ou festas de aniversários. Se tudo desse certo, depois, poderíamos pegar uma panela e testar os ‘traços’, até chegar nos alergênicos”.
Ela acrescenta que, no teste do alimento, foi indicado à família que começassem pelos alimentos assados. Depois, cozidos, finalizando nos derivados.
Mãe de crianças que tiveram alergias severas explica ‘processo’ indicado até a cura
Apesar das indicações, a fé de Camilla falou mais alto e, segundo ela, os dois casos foram resolvidos após uma intuição. “Acreditei, e quando me foi confirmado por Deus, peguei os alergênicos e dei. Fiz pão de leite. Teve um ‘festival do ovo’ em casa, coisas que não passávamos nem perto. E deu tudo certo”.
Alergia na visão de um especialista
A reportagem então entrou em contato com o médico alergista Fabrício Rubens Pires Afonso, que explica o processo de cura do ponto de vista medicinal.
“Há casos mais comuns, como leite de vaca e ovos, onde há remissão e melhora clínica quando o paciente atinge tolerância. Em determinadas situações, pode ser induzida através da introdução progressiva do alimento orientada pelo alergista, e há risco de reação durante o processo, portanto, não se orienta que o paciente faça sozinho”, comenta o profissional.
Afonso acrescenta que em outros casos, quando “não há tolerância mesmo, e o risco de indução de tolerância ou dessensibilização é muito grande, orienta-se somente a restrição definitiva”.
O médico, inclusive, detalha como funciona a alergia alimentar. “É um tipo de reação adversa a alimentos que ocorre por causas imunológicas, de modo imediato ou tardio após a ingestão”.
O médico aponta os sintomas, e alerta também que podem aparecer isolados ou em conjunto:
Pele: vermelhidão, urticária, inchaço e dermatite;
Sintomas respiratórios: podem ocorrer imediatamente após a ingestão, como a rinoconjuntivite e o fechamento dos brônquios;
Sintomas Gastrointestinais: vômitos, diarreia, com ou sem sangramento intestinal, dor abdominal;
Sintomas neurológicos: tontura e desmaio;
Casos sistêmicos: chamados de anafilaxia, expressão mais grave e temida da alergia imediata.
“Para o desenvolvimento de alergia alimentar precisa haver uma combinação entre alimento com capacidade alergênica, fatores predisponentes individuais e quebra dos mecanismos de tolerância imunológica, naturais do nosso organismo”, ressalta.
Vida após a alergia
Mesmo após a cura das crianças, Camilla manteve como prioridade os filhos em relação ao trabalho. Atualmente, exerce a função que ama sem uma rotina ou frequência definida, dentro de sua própria casa.
Família superou alergias severas de dois filhos no litoral de SP
Arquivo Pessoal
Às vezes, abro a agenda e aviso os clientes. Faço ‘edições limitadas’, que são esgotadas em horas. A minha prioridade é a maternidade
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