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PL das Fake News: a redução de alcance de notícias que Google testou no Canadá e pode repetir no Brasil


Google limitou o acesso a notícias para mais de um milhão de canadenses diante do risco de ser obrigado por lei a pagar por links jornalísticos. Fachada do Google em Irvine, Califórnia
Reuters/Mike Blake
Quando o governo de Justin Trudeau, o primeiro-ministro progressista do Canadá, criou o chamado “Ato de Notícias Online”, em junho de 2022, a divulgada intenção do projeto de lei era dar aos veículos de imprensa do país uma remuneração toda vez que alguém clicasse em algum link jornalístico indicado em um buscador, como o Google, ou em redes sociais.
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Mas, após a aprovação pela Câmara dos Deputados do país, em dezembro de 2022, o que aconteceu na internet canadense foi exatamente o oposto do que legisladores e o governo Trudeau esperavam.
Embora o texto legislativo ainda dependa de chancela do Senado para entrar em vigor, em fevereiro deste ano, o Google se antecipou e implementou por cinco semanas um teste que limitou o acesso a notícias online de 3,3% dos usuários do buscador da big tech no Canadá. Na prática, o conteúdo jornalístico desapareceu dos resultados de busca de mais de um milhão de pessoas no país ao longo desse período.
A revelação deste teste, no fim de fevereiro, enfureceu Trudeau e levantou a questão sobre se, forçadas a pagar por conteúdos que recomendam, as big techs poderiam simplesmente deixar de linká-las ou apresentá-las nas páginas dos usuários.
“Realmente me surpreende que o Google tenha decidido que era preferível impedir os canadenses de lerem notícias a pagar os jornalistas pelo trabalho que eles fazem”, afirmou Trudeau sobre o caso.
O Google nega que tenha feito o experimento para interromper o acesso do público a notícias como forma de ameaçar o governo Trudeau, protestar contra o novo projeto de lei ou burlar potenciais novos custos a seu negócio. Segundo a empresa, tratava-se de um estudo para explorar as prováveis novas condições de mercado.
“Testes orientados a hipóteses, do tipo AB, são padrão no espaço tecnológico. No Google, fazemos mais de 11,5 mil testes por ano por conta de qualquer pequena mudança ou novo recurso. Você precisa testar para ver como seus usuários reagem e como isso afeta seus produtos”, afirmou à BBC News Brasil Jennifer Crider, chefe global de Comunicações do Google.
“Neste caso específico, fizemos alguns testes porque o projeto de lei no Canadá mudará radicalmente o cenário de links de notícias no país. E não queríamos presumir que seríamos capazes de linkar (notícias) da mesma forma que fazíamos antes. O projeto de lei pode afetar nossa capacidade de fornecer nossos produtos e serviços aos canadenses. Como qualquer empresa que enfrenta incerteza sobre algo, esperamos obter informações desses testes para avaliar respostas e analisar como essas mudanças afetariam os canadenses e nossos produtos.”
O Google, porém, não informa o resultado do teste canadense nem de nenhum outro e diz não saber se estará passível a algum tipo de punição por causa da iniciativa no Canadá. Crider disse à BBC News Brasil que a empresa “reconhece que os legisladores do país ficaram surpresos”.
No Canadá, no Brasil
A discussão no Canadá que, na semana passada, levou executivos da empresa a testemunhar no Congresso canadense, extrapola as fronteiras do país norte-americano e desembarca no Brasil graças ao PL2630, mais conhecido como PL das Fake News. O texto tem dividido o Congresso e a sociedade ao tentar estabelecer novas regras para o ambiente online brasileiro.
Embora o projeto de lei brasileiro atualmente em tramitação na Câmara seja muito mais amplo que o “Ato de Notícias Online”, e preveja, por exemplo, punições severas às plataformas que não derrubem conteúdos falsos ou criminosos mesmo sem ordem judicial para tal, ele também estabelece que as gigantes de tecnologia deverão pagar por links jornalísticos que sejam acessados a partir de suas plataformas — exatamente como o projeto de lei canadense.
Depois de ter sido aprovado para tramitação em regime de urgência, o PL das Fake News passou a enfrentar fortes resistências de big techs, influenciadores, youtubers, além de políticos principalmente da direita.
Na semana passada, acabou retirada da pauta de votação diante do alto risco de que fosse derrubada no plenário. Pesou especialmente a articulação do Google, que chegou a postar um link em sua página inicial cujo título era: “PL das Fake News pode piorar sua internet”. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), acusou o Google e as demais big techs de usarem de instrumentos de impulsionamento ou de limite do alcance de postagens para desvirtuar a discussão contra projeto de lei.
“Usar os seus instrumentos para impulsionar, atrapalhar ou cercear que a outra parte se movimente, e aí convergindo todos os meios que (as plataformas) detêm, com os algoritmos que possuem influência nos estados. A pressão foi horrível, desumana e mentirosa — o pior é isso”, afirmou Lira, que é favorável à aprovação do PL, em entrevista à GloboNews.
“As big techs ultrapassaram todos os limites da prudência. Se a gente puder comparar, é como se tivessem impedido o funcionamento de um poder”, disse Lira. Os deputados favoráveis ao PL cogitam desmembrar a proposta em diferentes projetos para tentar aumentar sua viabilidade. As plataformas negam que tenham atuado para direcionar o debate público brasileiro.
Diante da similaridade das pautas e das reações dos parlamentares, a BBC News Brasil procurou o Google para entender se a plataforma poderia adotar no Brasil medida semelhante à adotada no Canadá — limitar acesso a notícias a seus usuários.
“Acho que uma das coisas que realmente devemos observar sempre que um projeto de lei é aprovado é se precisaríamos fazer alterações em nossos produtos. (Então a resposta é) Sim, talvez. Acho que essa (limitação de acesso a conteúdo jornalístico) é uma mudança potencial, mas pode haver outras mudanças que precisam ser feitas dependendo de como será o resultado final do projeto de lei. É muito difícil dizer de forma hipotética”, afirmou à BBC News Brasil Jennifer Crider, chefe global de Comunicações do Google.
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A conta é de quem?
Na justificativa para o projeto de lei canadense, o autor da medida, o ministro Pablo Rodriguez, responsável pela pasta de “Herança Canadense” (que abarca cultura, mídia, esportes), afirmou que, desde 2008, o Canadá havia perdido 450 veículos de imprensa e que, nos 12 anos anteriores à criação do projeto de lei, rádios, revistas, canais de televisão e jornais perderam quase US$ 3,7 bilhões (R$ 18 bi). Em contrapartida, apenas em 2020, anúncios online geraram US$7,1 bilhões (R$ 35 bi) em receitas — e 80% destes recursos se concentraram em apenas duas empresas.
O governo canadense, portanto, passou a identificar em buscadores e mídias sociais uma atividade predatória em relação aos veículos de comunicação. Enquanto os primeiros recebiam a audiência e os recursos de propaganda, os segundos definhavam tentando produzir conteúdo a ser explorado pelos gigantes da internet. A partir desse diagnóstico, o Canadá resolveu por meio da lei criar possibilidade de barganha para que a imprensa pudesse negociar melhores compensações das big techs.
“No final das contas, tudo o que pedimos aos gigantes da tecnologia é compensar os jornalistas quando eles usam seu trabalho. Os canadenses precisam ter acesso a notícias de qualidade baseadas em fatos nos níveis local e nacional, e é por isso que criamos o Online News Act. Os gigantes da tecnologia precisam ser mais transparentes e responsáveis ​​perante os canadenses”, afirmou à BBC News Brasil, Laura Scaffidi, secretário de comunicação do ministro Rodriguez.
A lei canadense não é inédita. Ela se inspira na experiência da Austrália, que, em 2021, se tornou o primeiro país a forçar Google e Facebook a remunerar o trabalho jornalístico — por meio de negociações diretas com as publicações ou com a intermediação de um árbitro que definiria o montante a ser pago.
No fim de 2022, o Departamento do Tesouro australiano publicou um relatório no qual classificou a aplicação da lei como “bem-sucedida” por ter gerado ao menos 30 acordos de remuneração à imprensa local e nacional. “Pelo menos alguns desses acordos permitiram que as empresas de notícias contratassem mais jornalistas e fizessem outros investimentos valiosos para auxiliar suas operações”, afirmou o relatório do Tesouro australiano.
No Brasil, a proposta de lei atual estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas um jornalista), que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.
Caso o texto seja aprovado, a negociação poderá ser feita de forma individual entre veículos e empresas, ou de forma coletiva. A arbitragem estatal, porém, pode acontecer em caso de inviabilidade das negociações.
“Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”, diz nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
Mas os detalhes sobre quanto e como as big techs teriam que pagar seria estabelecido apenas por uma regulamentação posterior, tanto no Brasil como no Canadá.
A incerteza em torno do que a nova lei significa para os cofres das big techs é apenas um dos aspectos criticados pelas plataformas, que mencionam ainda a falta de definições e critérios claros sobre o que seria “conteúdo jornalístico”.
“Colocar preços em links fundamentalmente quebra a internet como a conhecemos hoje, um espaço aberto, no qual você faz uma busca livre e a partir daí decide pra onde ir. O que nós somos é apenas um mecanismo para que as pessoas possam chegar onde querem ir. As analogias são todas meio ruins, mas é como se o taxista tivesse que pagar ao restaurante para te levar até lá. Mensalmente, enviamos 3,6 milhões de links que remetem aos veículos canadenses, o que equivale a US$250 milhões em valores para eles”, argumenta Crider.
As big techs ainda argumentam que o modelo de pagamentos por link pioraria a qualidade jornalística em si nos países em que é adotado, já que as publicações privilegiariam títulos sensacionalistas, grande profusão de links com materiais incompletos e “clickbaits” apenas para maximizar seus ganhos.
O atraso de uma definição sobre a lei tanto no Brasil quanto no Canadá interessa às big techs, que defendem mais discussão sobre os temas e trabalham por soluções alternativas que lhe pareçam mais favoráveis.
Em vez do caso australiano, o Google defende que os dois países adotem o que fez Taiwan. Em março deste ano, a empresa anunciou um fundo de quase US$10 milhões ao longo dos próximos três anos para incentivar a competição entre os veículos taiwaneses e desenvolvê-los.
Em meio a uma pressão crescente no Brasil e no mundo para que as plataformas compensem veículos jornalísticos, cujas receitas declinam a passos largos, a estratégia da empresa em Taiwan tem mostrado mais chances de atrair simpatia do público e dos governos do que a limitação de acesso a notícias testada no Canadá.
O próprio Google estima que as receitas de publicidade para meios de comunicação tradicionais caíram 70% de 2003 a 2020, mas diz que não é o causador do problema, e sim parte da solução.
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