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Desafiado nas urnas, Erdogan testa a eficácia dos poderes que acumulou para manter-se no poder


Desgastado por inflação e terremotos, presidente da Turquia anuncia benesses à população e enfrenta coalizão de partidos distintos que convergem no objetivo de tirá-lo do cargo. Montagem mostra Recep Tayyip Erdogan e Kemal Kilicdaroglu em atos de campanha na Turquia em maio de 2023
Reuters
Em 20 anos no comando da Turquia, Recep Tayyip Erdogan vê, pela primeira vez, a sua autoridade ser questionada nas urnas por uma coalizão de seis partidos opositores liderada por Kemal Kilicdaroglu, que promete fazer o país retornar ao parlamentarismo, com tribunais independentes e imprensa livre.
O problema é que esta aliança parece disfuncional, com nacionalistas, islâmicos, seculares e progressistas — partidos de interesses distintos que se juntaram com um só objetivo: tirar do poder o presidente, de 69 anos.
Os cidadãos turcos irão às urnas neste domingo (14) para escolher o novo líder do país ou renovar o mandato de Erdogan em eleições presidenciais e parlamentares.
As pesquisas sugerem um empate técnico entre os dois principais candidatos nas eleições de domingo, com Kilicdaroglu, de 74 anos, ligeiramente à frente.
Na quinta-feira (11), a candidatura do desafiante de Erdogan parece ter ganhado fôlego para quebrar a barreira dos 50% necessários e assegurar a vitória no primeiro turno: a desistência de Muharrem İnce, outro candidato da oposição.
O presidente ainda é fortemente sustentado por grupos de nacionalistas e conservadores religiosos, mas a inflação descontrolada e a queda da lira o desgastaram.
As críticas pela demora de envio de socorro às vítimas dos terremotos que abalaram o Sul da Turquia e mataram 50 mil, somadas às denúncias de corrupção no código de construção civil, corroeram seu prestígio.
Apoiadores de Erdogan durante um comício eleitoral em Istambul
Umit Bektas/REUTERS
Na reta final da campanha, Erdogan correu para reverter o prejuízo. Intensificou a agenda de comícios e distribuiu benesses entre os eleitores. Anunciou um aumento salarial de 45% para funcionários públicos, gás grátis e dados móveis à população.
O controle maciço sobre a mídia pôs a narrativa oficial a favor do presidente e garantiu a ele 33 horas de tempo de antena em abril, contra apenas 32 minutos ao seu principal adversário.
Não há dúvidas de que, se for reeleito, Erdogan persistirá em sua trajetória de expandir ainda mais seus poderes. Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), em 2003, foi visto como reformador econômico e defensor dos muçulmanos devotos.
O panorama mudou quando a economia estagnou e ele enfrentou uma tentativa de golpe, em 2016. A partir daí, promoveu um expurgo de opositores e juízes. Lotou as prisões de dissidentes e desmantelou as instituições democráticas.
Por meio de um referendo, substituiu o sistema parlamentar pela presidência executiva. Todo poderoso, Erdogan tem autoridade para publicar decretos sem aprovação parlamentar.
No âmbito externo, como membro da Otan, o presidente exercita continuamente a arte da ambiguidade, equilibrando-se e jogando com Ocidente, Rússia e Ucrânia. Essa tática é muito criticada por Kilicdaroglu, que, por sua vez, recebe a pecha de pró-Ocidente por seus adversários.
O rival de Erdogan denuncia a interferência da Rússia nas eleições, acusando o país de disseminar desinformação em vídeos deep fake.
“Tire as mãos do Estado turco”, alertou ele ao Kremlin. Um suposto vídeo de sexo teria levado o candidato Muharrem Ince a desistir da campanha três dias antes das eleições.
O pleito deste domingo diz mais sobre Erdogan, populista combativo e carismático, do que sobre o discreto adversário e sua capacidade de domar os aliados que competem entre si.
Resta saber também se a concentração de poderes que o presidente vem acumulando nos últimos anos ainda é suficiente para assegurar sua manutenção no cargo.

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