‘Eu vivia com medo de alguém me fazer mal e nem sabia de quem tinha que correr na rua’: um relato de quem sofreu com stalking
Repórter do g1 foi vítima de um stalker durante quatro anos e conta, em detalhes, o que passou. Stalking é crime desde 2021 e a pena vai de seis meses a dois anos de prisão e multa. Eu fui vítima de stalking durante os últimos quatro anos da minha vida. Dos 18 aos 22 eu fui perseguida, ameaçada, exposta e carreguei um fardo que não me pertencia — e não deveria pertencer a ninguém.
Antes de entrar em detalhes sobre o crime e como eu consegui me livrar disso, é importante olhar para uma informação. O Anuário da Violência 2023, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último dia 20, revelou um dado assustador: o Brasil está ainda mais perigoso para mulheres.
Todos os tipos de violências de gênero cresceram em 2022. Ameaças, abusos sexuais, feminicídios. Também cresceram os números de denúncias, ligações para a polícia e concessões de medidas protetivas de urgência. Entre os casos que apresentam números alarmantes, estão ainda as mais de 56 mil mulheres em todo o país que foram vítimas da perseguição (ou stalking).
E foi por conta desses dados que eu finalmente tive coragem de escrever este texto para contar a minha história, meses após o julgamento do meu caso.
⚠️Cuidado: esse texto pode despertar gatilho em vítimas de violência contra mulher. Se você passa por isso ou conhece alguém que está nessa situação, procure a polícia.
Stalking: entenda o que é esse crime, saiba identificar e veja como denunciar
Como identificar e o que fazer ao ser vítima de stalking
Louco ou criminoso?
Toda a situação que eu vivi começou em outubro de 2018. Durante uma tarde qualquer no meu estágio recebi uma ligação de um número sem identificação. Ao atender, uma voz masculina me chamava pelo nome e falava obscenidades: “Bruna, eu gosto de você e quero que você fique na linha até eu gozar”.
Lembrar desse primeiro contato me causa um arrepio que percorre o corpo inteiro. Eu era muito nova, tinha 18 anos. É uma fase da vida em que a gente acha que nada ruim pode acontecer. Logo desliguei o telefone achando que era algum conhecido fazendo uma brincadeira de mau gosto, algum trote.
Nesse mesmo dia, recebi mais ligações, todas com o mesmo teor. Nos dias seguintes, a mesma coisa: “Bruna, eu estou vendo as suas fotos no Instagram e me masturbando”, “Bruna, eu sou um inútil e nunca vou te ter, então fica na linha pra mim”.
Antes de ficar assustada, eu me senti irritada com a insistência. Já sabia que não era nenhum amigo, e que eu sequer conhecia aquela pessoa.
O primeiro pensamento — meu e das pessoas que presenciavam as cenas — era de que se tratava de um verdadeiro maluco. Até que a situação começou a sair do controle.
Nas semanas seguintes ao primeiro contato, porque eu não correspondia às “investidas” (se é que podemos chamar assim), meu stalker começou a se dirigir a mim com xingamentos. Dizia que sabia onde eu trabalhava e que ia me encontrar.
Ele me ligava sem parar, todos os dias da semana e em diferentes horários. Em uma sexta-feira, ele me ligou 32 vezes em questão de minutos. Foi quando tomei coragem para contar aos meus pais o que estava acontecendo.
Tentei bloquear as chamadas, mas os celulares não permitiam bloquear ligações sem identificação de chamador. Depois, liguei na operadora para tentar conseguir a informação de quem estava me ligando, e me disseram que não poderiam fornecer nenhum detalhe se não houvesse uma ordem judicial.
E aí, começou outra parte do tormento.
A falta de ação da Delegacia da Mulher
Quando percebi que o stalker não ia parar de me ligar e que eu não poderia resolver a situação sozinha, fui até a Delegacia da Mulher. A ideia era fazer uma denúncia formal e conseguir alguma medida que desse fim àquele incômodo. Eu sequer fui atendida, só me disseram para ter paciência que uma hora ele ia cansar.
Fiquei frustrada, mas voltei para casa e continuei vivendo minha vida, ignorando as ligações. Foi nessa época, fim de 2018, que os primeiros efeitos da violência psicológica começaram a aparecer: eu andava sempre mais atenta que o normal, sentia meu corpo paralisar se algum homem me olhava muito e comecei a ter medo de fazer sozinha algumas atividades que fazia antes.
Mas uma hora ele iria parar, né? Continuei. Só que não parou. Piorou.
Depois de um tempo — em que eu implorava para ele parar e que até meus pais chegaram a atender o telefone para tentar intimidá-lo —, eu simplesmente parei de atender a qualquer ligação e desligava o celular. Então, comecei a receber mensagens de perfis falsos no Instagram.
Ele criou uma série de contas falsas (com nomes como “gozador do insta”, “capacho inútil” ou “capacho fracassado”) para seguir o meu perfil. Comentava coisas horríveis nas minhas fotos, muitas vezes com obscenidades e palavras de baixo calão, além de me mandar diversas mensagens.
Nas mensagens, ele escrevia as mesmas coisas que me falava ao telefone: que era um “cara inútil” e que sabia que nunca teria uma chance, mas que não ia parar até eu fazer o que ele quisesse — e chegou até a me oferecer dinheiro em determinadas situações.
Eu apagava os comentários e bloqueava o perfil. Ele criava outra conta e o ciclo recomeçava.
Tentei responder algumas vezes, achando que poderia fazê-lo parar, mas, assim como com as ligações, ele nunca cansava. De novo, desisti, esperando que ele parasse, como me disseram na delegacia.
Mas como ficar tranquila quando alguém que te persegue noite e dia? Que diz que não vai parar até que você faça o que ele quer? O que significa “não vou parar” em um caso assim? Ainda mais de uma pessoa que você não conhece nem o rosto, não faz ideia de quem é.
Eu vivia com medo de alguém me fazer algum mal. E eu nem sabia de quem precisava correr na rua.
Lembro de um episódio em que eu estava no Metrô, voltando do estágio, e um homem começou a me encarar fixamente, dando algumas risadinhas.
Era horário de pico em São Paulo, vagão lotado, mas eu senti um medo tão grande de o homem ser o meu stalker que saí correndo duas estações depois. Sentei em um cantinho e fiquei parada por 15 minutos, só respirando fundo até que eu conseguisse voltar ao normal e pegar outro trem.
Estava sempre alerta ao extremo, mas me sentia completamente insegura e tensa.
A vontade que dá é se trancar num lugar seguro até que tudo acabe. Mas você não sabe quando vai acabar, e o mundo não liga para os problemas que você enfrenta. Tinha que continuar estudando, trabalhando, vivendo.
As ligações e mensagens constantes duraram até maio de 2019, quando eu fui assaltada em uma avenida famosa de São Paulo. Ao comprar outro celular, resolvi trocar de número. Eu tinha resistido à ideia de trocar de número porque, na minha cabeça, era como se, com isso, ele estivesse ganhando a batalha. Mas tem hora que nada compra a nossa paz.
Pouco tempo depois resolvi perder outra batalha e tornei privada minha conta no Instagram. A conta era importante para mim porque, além de ser uma rede para conversar e me divertir, era a forma que eu tinha de divulgar os trabalhos que eu fazia e os conteúdos que produzia, buscando trabalhos como freelancer e mostrando meu portfólio profissional. Mas abri mão disso também.
Ele continuava criando perfis falsos e tentando se comunicar comigo, mas não conseguia comentar mais nas minhas fotos e aquilo já me trazia alguma paz.
Do céu ao inferno — mais uma vez
O ano de 2019 passou, 2020 começou e aquelas tentativas de contato continuavam, mas sem êxito. Aí veio a pandemia e, no segundo semestre do ano, eu queria divulgar meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da faculdade e os vídeos que estava fazendo para a empresa em que eu trabalhava na época.
Talvez por me sentir segura nesse isolamento social que atravessamos, reabri minhas redes sociais. E logo as coisas voltaram a ser como antes. Contas falsas, comentários depreciativos, mensagens, ligações pelo Instagram, bloqueio e tudo de novo.
Resolvi seguir firme, porque não era justo que eu não pudesse sequer mostrar nas redes os conteúdos legais que eu estava produzindo por causa de um criminoso que cismou comigo.
Foi assim até meados de 2021, quando ele começou a me fazer outros tipos de ameaça: ou eu realizava os desejos sexuais dele ou ele passaria a atrapalhar a minha imagem no meu trabalho.
Eu não sabia bem como (e nem se) ele realmente poderia me prejudicar no âmbito profissional, mas eu também não sabia quem era essa pessoa, então como poderia ter certeza de que ele realmente não conseguiria me atingir dessa forma?
Contei isso para os meus chefes da época e um deles me disse que a Lei de Stalking tinha acabado de ser criada. Então, aproveitei um feriado para ir à Delegacia de Crimes Virtuais e, depois de insistir bastante com os servidores do local, consegui abrir um boletim de ocorrência. Enviei diversas provas (eu tinha registro de tudo) em duas oportunidades, mas ninguém me disse mais nada.
Poucas semanas depois, o meu pesadelo recomeçou. Era um domingo, estava em casa com minha família e, no meio da tarde, meu celular começou a tocar. No chamador, um número sem identificação. Atendi e aquela mesma voz que me assombra até hoje começou a falar as mesmas coisas de sempre. Eu fiquei paralisada, senti um arrepio na espinha e tanta angústia que é difícil colocar em palavras.
Quando eu voltei a receber as ligações eu comecei também a ter algumas crises de ansiedade. Tinha muito medo de que ele fizesse algo comigo e sentia muita raiva. Raiva dele, raiva de estar passando por aquilo, raiva de não conseguir fazer coisas básicas sem ser interrompida pelas tentativas de contato e, sobretudo, raiva de mim mesma porque eu não queria que aquilo me abalasse tanto — mas abalava.
Para mim, foi muito difícil de me enxergar no lugar de vítima, de entender que eu, de fato, estava sofrendo uma violência e que aquilo tinha muitos impactos na minha vida.
Eu não queria me sentir daquele jeito e não queria que ninguém tivesse pena de mim. Hoje, eu entendo que nunca tive culpa de nada, mas o processo de compreender o que estamos passando é árduo e doloroso.
Porque eu tinha trocado de número e mesmo assim ele voltou a me ligar, eu comecei a acreditar que o meu stalker poderia ser alguém próximo a mim, que tinha acesso aos meus contatos ou, pelo menos, aos meus amigos.
Eu não conseguia confiar em ninguém e passei a duvidar até da minha sombra. Não conseguia mais me relacionar com os outros como antes, e cada vez que conhecia um cara — por mais legal que ele fosse —, minha mente entrava em um modo automático de ter medo de que ele pudesse ser o stalker e estivesse tentando se aproximar de mim.
Essas ligações que voltaram no meio do ano em 2021 se intensificaram de uma forma que eu ainda não tinha experimentado. De dezenas por semana passaram a centenas.
Um dia, lá para o fim daquele ano, ele me ligou mais de 100 vezes e eu, que estava trabalhando em casa, não conseguia nem mandar áudios para uma fonte com quem estava conversando para uma reportagem. Precisei contar para os chefes de uma nova empresa em que eu estava sobre a situação, porque eu simplesmente não conseguia fazer o meu trabalho.
A etapa final das chantagens
Chegou a um ponto em que eu não conseguia mais usar o meu celular. Não conseguia ligar, gravar áudios e passei a usar constantemente o “modo sono”, porque pelo menos o aparelho não ficava tocando. Era um inferno. Até no Natal de 2021 ele ligou. Eu apenas avisava minha família que não estava aguentando aquilo e que meu celular ficaria desligado, para que não se preocupassem caso não conseguissem falar comigo.
Mais uma vez, como eu não atendia nenhuma das tentativas de contato por telefone ou redes sociais, ele escalou um pouco mais o nível de violência e chegou ao ápice: começou a criar perfis no Instagram com o meu nome, divulgando fotos minhas manipuladas, com meu número de celular, como se eu fosse prostituta.
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A primeira vez que ele criou uma conta assim foi em janeiro de 2022. Era um domingo à noite e eu recebi uma notificação de que uma conta com o meu nome tinha me seguido e estava tentando me mandar mensagem. Na hora que abri o link e vi do que se tratava, tive uma das mais intensas crises de ansiedade da minha vida.
Nas mensagens, ele avisava que me ligaria e que eu precisava ficar na linha para atender aos desejos sexuais dele, caso contrário ele enviaria a conta de prostituição para meus conhecidos.
Ele me ligou e eu estava tão assustada que atendi e fiquei na linha, chorando, até que ele terminasse o que queria fazer. Mas ele não tirou a conta do ar (e nem nunca tiraria, porque usaria aquilo para me chantagear).
Meu pai, vendo meu estado, atendeu uma das ligações e, com a voz embargada, pediu para que o stalker tirasse aquilo do ar. Lembro até das palavras: “Eu não consigo mais ver minha filha chorando. Por favor, para com isso”. E o stalker gargalhava na outra linha.
Fomos então, na mesma noite, à Delegacia da Mulher. Mais uma vez, um despreparo e desrespeito gigante. Não abriram B.O. e o homem (sim, homem) que me atendeu nem quis falar comigo porque eu não conseguia parar de chorar. Chamou meu pai num canto e “recomendou” que ele me usasse de isca para atrair o stalker para algum local, porque essa seria a única forma de descobrir quem ele era.
O erro do criminoso
Apesar de todo o dano psicológico que me causou ver meu nome e ver fotos minhas adulteradas expostas na internet, com meu número de telefone, como se eu estivesse oferecendo o meu corpo em troca de dinheiro, criar esse perfil foi o erro do meu stalker, pois possibilitou que eu descobrisse quem ele era e pudesse processá-lo criminalmente.
Seguindo os conselhos de uma pessoa querida que me ajudou muito neste processo, entrei em contato com um advogado cível para processar o Instagram, a fim de quebrar o sigilo do IP daquele perfil com o meu nome. Embora o stalker já tivesse criado dezenas de outros perfis, o fato de usar o meu nome facilitou obter decisões favoráveis a mim.
O processo começou em março de 2022, e o Instagram logo forneceu os dados. Depois precisamos entrar com outro processo, dessa vez contra a Claro, que poderia fornecer os dados de quem era a pessoa dona daquela linha de internet, além de outros dados.
Foi só em julho daquele ano que consegui essas informações — e, para a minha surpresa, todos os dados e registros vieram no nome de uma mulher. Com um trabalho em equipe com meu advogado, alguns amigos e a Delegacia de Crimes Virtuais, conseguimos descobrir que o meu stalker era, na verdade, filho dela.
E se você leu até aqui e está curioso para saber quem, afinal, era essa pessoa, o meu maior alívio é poder dizer que não é ninguém próximo a mim.
É, na verdade, um cara que nem me conhecia. Ele me viu nas fotos do perfil de uma balada que eu tinha visitado em 2018, “gostou” de mim, encontrou minhas redes e tentou manter contato comigo usando sua própria conta. Mas, depois de algumas trocas de mensagens em que eu não demonstrei interesse, ele resolveu me perseguir e me ameaçar para realizar as fantasias dele.
E sabe como ele conseguia meu número de telefone? Se passando por contratantes em sites de vagas de emprego que pedem dados pessoais — pois é, tome muito cuidado com os lugares em que você coloca suas informações pessoais.
Caminhando para o fim
Mesmo descobrindo quem ele era, em julho de 2022, ainda precisei conviver com todo esse tormento por mais alguns meses. Depois de levar tudo o que tinha conseguido pelo processo cível para o âmbito criminal, demorou algum tempo para que o chamassem para depor. Enquanto ele não sabia que tinha sido descoberto, continuava com tudo.
Até outros perfis falsos de prostituição ele criou. E, ainda que eu já soubesse quem ele era, continuava doendo ver meu nome, meus dados e minha imagem expostos daquela forma. Doía que pessoas da minha vida pessoal e profissional, ao procurar meu nome na internet, vissem aquilo e viessem me perguntar do que se tratava.
Foi nessa época que resolvi tornar público, dentro do meu círculo de amigos e colegas, tudo o que eu estava passando. Postei um vídeo no meu Instagram e recebi muito apoio — foi muito bom, mas ainda faltava a condenação.
O processo foi caminhando e, no começo deste ano, a advogada do stalker propôs que o caso fosse suspenso porque ele era réu primário. A pena para o crime era muito baixa e permitia a suspensão. Além disso, alegou que ele já estava em tratamento psicológico para lidar com tudo isso.
Um dos promotores do meu caso até chegou a propor um acordo para a suspensão. Aquilo acabou comigo. Foram quatro anos de violência constante que eu havia sofrido, e que seriam desconsiderados. O criminoso sequer perderia o réu primário.
Meu sentimento era de que a minha vida, a minha integridade física e psicológica não valiam nada para a Justiça.
Depois de uma longa conversa, o promotor foi compreensivo e a suspensão foi cancelada. O processo continuou e a etapa mais importante, o julgamento, ocorreu em 13 de abril de 2023. Dei a sorte de contar com uma promotora engajada e muito familiarizada com meu caso, e um juiz empático às vítimas de violência de gênero.
Meu stalker foi condenado a um ano e três meses de reclusão, inicialmente em regime aberto, além de precisar pagar algumas multas e uma indenização para mim.
Ele já recorreu, mas a condenação foi mantida em segunda instância e ele perdeu o réu primário. Está marcado para sempre, assim como as marcas da violência ficam.
A ferida é para sempre
Passar pelo julgamento foi a coisa mais desafiadora da minha vida. Viver (e reviver) todos os detalhes, várias vezes, é difícil e coloca a vítima numa situação de muita fragilidade. A violência de gênero machuca demais, física e psicologicamente.
É duro saber que você só está passando por aquilo pelo fato de ser o que é: por ser mulher. É duro saber que alguém se sente no direito de fazer o que quiser com você — e com sua vida — porque te enxerga como um ser humano inferior.
Foram crises e mais crises de ansiedade, vários dias longe do trabalho que eu amo, coisas que eu precisei fazer ou deixar de fazer contra a minha vontade, porque eu tinha medo.
Não bastasse, ainda foi preciso desembolsar uma alta quantia em dinheiro ao longo de todo o processo. Além de várias sessões de terapia (e provavelmente muitas outras pela frente), porque a violência psicológica causa danos para a vida inteira.
Eu aguentei firme e tive coragem para enfrentar tudo até o fim, porque eu finalmente entendi e senti na pele o que significa aquele clichê de “não desejo isso a ninguém”. Quando você passa por uma violência de gênero, você realmente deseja com toda a força que mais nenhuma mulher passe por aquilo.
E foi por isso que eu resolvi escrever e falar sobre esses quatro anos, ainda que de forma muito resumida. Primeiro para mostrar que há, sim, punição e que nenhum criminoso deve passar ileso para sempre. Segundo, e mais importante, para tentar ser algum elo de apoio para qualquer pessoa que esteja passando por situação semelhante.
Poucas semanas depois do meu julgamento, assisti à peça “Stalking”, da incrível Livia Vilela, que infelizmente passou pela mesma situação. Saí da sala com os olhos inchados de tanto chorar. Na saída, encontrei com a Livia e uma amiga minha contou a ela que eu também tive um stalker.
A Livia me olhou no fundo dos olhos e disse “eu sinto muito”. Foi o abraço mais importante da minha vida. Ela não precisou dizer mais nada porque ela tinha vivido o mesmo que eu. Finalmente, eu me senti compreendida.
Tive a sorte de contar com muitas pessoas que me apoiaram no processo, mas é difícil compreender o que não vivemos. Quando a Livia me abraçou, eu finalmente entendi que não estava sozinha.
Assim, antes de finalizar meu relato, quero pedir licença para me dirigir às mulheres que, eventualmente, também sofreram alguma violência de gênero. Sei que um texto em um portal de notícias pode não ser a maneira mais acolhedora de comunicação, mas se você chegou aqui, saiba que não está sozinha e que há, sim, formas de sair dessa situação.
Para vítimas de stalking: não continuem vivendo as ameaças, chantagens e violências acreditando que um dia vão parar. O processo pode não ser dos mais fáceis, ainda, porque a legislação é muito recente. Mas eu sou uma prova de que o crime não fica impune para sempre. Mas é preciso ir atrás de uma punição.
Procure a delegacia, seja da Mulher ou de Crimes Cibernéticos, e não desista na primeira negativa. Se o processo criminal não andar, o processo cível para quebra de IP é uma alternativa viável e é possível contar com a Defensoria Pública caso você não tenha condições financeiras de arcar com advogado e outros custos do processo.
Registre todas as ofensas, ameaças, mensagens, comentários em redes sociais, ligações. Tire prints, grave a tela, grave com um outro celular. Por mais que o primeiro impulso seja apagar tudo o que aparece porque é doloroso viver, todos esses registros podem virar as provas que você precisa para conseguir decisões judiciais que que te ajudem.
Leve tudo isso na delegacia e converse sem medo de expor o que aquilo está te causando, fale com quantas pessoas precisar. Infelizmente cruzei com alguns profissionais que não se importaram muito em me ajudar e acabaram me atrasando um pouco no processo. Por outro lado, também contei com outros profissionais bastante determinados e solícitos, que foram essenciais para todo o andamento.
As burocracias processuais e todos os sentimentos negativos que nos atravessam por viver uma violência podem nos fazer querer desistir de tudo, por achar que aquilo nunca vai chegar a lugar nenhum. Reviver relatos, procurar provas, explicar detalhe por detalhe várias vezes… tudo isso nos atinge em um lugar sombrio, um lugar que ninguém quer mexer.
E está tudo bem sentir tudo isso, mas a culpa de sofrer uma violência não é da vítima, nunca. Então não desista, porque há formas de vencer essa situação.
Veja como e quando denunciar o ‘stalking’, crime de perseguição
Daniel Ivanaskas/G1