Ex-funcionário de empresário condenado por trabalho análogo à escravidão diz que sofria pressão psicológica

Ele relatou ter trabalhado por três meses sem receber e ser demitido da empresa. Defesa do empresário disse já ter entrado com recurso contra a decisão em 1ª instância. Empresário é condenado a pagar R$ 2 mi por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão
Reprodução/Instagram e Reprodução
Um ex-funcionário de Paulo Roberto da Silva Ursini, condenado em 1ª instância a pagar R$ 2 milhões por submeter empregados a condições análogas à escravidão, contou ao g1 que chegou a trabalhar 22 horas seguidas em uma das lojas de games do empresário. O homem atuou de 2019 a 2021 no comércio localizado em Santos, no litoral de São Paulo. A defesa do empresário informou à reportagem que já entrou com recurso contra a decisão da justiça.
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“Era desmotivacional. Não eram xingamentos, de fato, mas eram coisas como: ‘pô, você não consegue fazer isso?’. Depois de 13 ou 14 horas de trabalho, o cara fala para mim que eu não conseguia colocar uma capinha no lugar, que não conseguia limpar alguma coisa dentro da loja. Eu estava cansado, exausto. Era uma cobrança, uma pressão psicológica muito grande”, recordou.
O homem, que preferiu não ser identificado, foi uma das testemunhas que prestaram depoimento contra o empresário. O Ministério Público do Trabalho (MPT) moveu uma ação civil pública contra o réu e três empresas dele, sendo duas lojas da Trance Games, de produtos eletrônicos, e um restaurante.
Pressão psicológica e alimentação limitada
O rapaz relatou ao g1 ter trabalhado por 3 meses sem registro. Em outros dois anos e quatro meses, ele atuou com carteira assinada com um salário de R$ 800, além de comissão. Como ele tinha um filho pequeno e estava desempregado, o homem aceitou as condições.
Entre os problemas relatados à reportagem, ele cita os seguintes: não tinha hora para comer, salários incompletos, pressão psicológica e longas cargas horárias. “O certo era folgar domingo sim, domingo não, mas tinha domingos que eu não folgava, que tinha que trabalhar do mesmo jeito”.
O funcionário informou ao MPT que a alimentação era outro problema. Por ser dono de um restaurante na cidade, o empresário fornecia a comida aos funcionários e não permitia que eles consumissem de outro lugar. “Muitas vezes era a sobra do restaurante dele, que ficava no Centro. A comida que chegava lá às 16h já não estava legal”, contou ele, que chegou a ser promovido.
Em uma posição hierárquica superior, ele era instruído a tratar os demais funcionários de forma rígida. Os funcionários não podiam sentar para descansar e até as idas ao banheiro eram observadas. Ele contou que tudo era acompanhado pelas câmeras, instaladas nas lojas. “Eu tentava mediar, chegar de uma forma menos incisiva. Mas, ele sempre queria explorar o máximo possível os funcionários”.
Salário
O ex-funcionário contou que havia um salário fixo e uma comissão de 1% sobre as vendas. Segundo ele, Paulo falava que “eles ganhavam até mais que um médico”. No final das contas, o valor recebido era bem inferior ao combinado.
“Foi uma rotina bem complexa. Muitas vezes, eu chegava às 8h e saía às 6h da manhã do dia seguinte. […] Ele segurava a gente até o talo, até não ter mais forças para nada”, lamentou.
O ex-funcionário contou que em muitas ocasiões não recebeu sequer R$ 1 mil. “Para você ter ideia, cheguei a ficar ‘devendo’ R$ 5 mil pelas contas dele. Falava que era conta do restaurante. Se a gente quisesse tomar uma coca-cola, por exemplo, não podia comprar na banca, tinha que comprar no restaurante dele”.
Demissão
Quando decidiu deixar a empresa, em 2021,ele contou ter tentado fechar um acordo para ser mandado embora com a guia do seguro-desemprego em mãos. Nesse cenário, teria sido forçado a trabalhar sem receber por três meses para quitar uma suposta dívida.
Ao final do prazo, segundo o funcionário, o empresário tentou fazê-lo pedir demissão, o que gerou uma discussão por telefone. Ele contou à reportagem que saiu para almoçar e foi impedido de entrar na loja, na volta. “Eu chamei a polícia, fiz um boletim de ocorrência. Aí entrei com uma ação contra ele. Na minha ação, eu pedi que fosse feita uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho”, contou.
Decisão
A Justiça de Santos condenou em 1ª instância o empresário Paulo Roberto da Silva Ursini a pagar R$ 2 milhões por submeter funcionários a condições análogas à escravidão.
A decisão foi da da 7ª Vara do Trabalho e a multa deverá ser depositada no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Posteriormente, o valor será repassado às vítimas como forma a indenizá-las por danos morais.
Defesa
A defesa do Paulo disse, em nota, não houve uma condenação em definitivo e negou de forma veemente os fatos relatados. “[A empresa] sempre primou pelo bem estar de seus funcionários repudiando a forma como foi constituída a ação atingindo e constrangendo a empresa diante seus clientes e já protocolou o devido recurso legal visando reverter absurda condenação”.
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