Projeto que dá uma nova alternativa para pagamento foi aprovado nesta quarta pelo Senado, mas ainda tem de passar pela Câmara. Dívida pública mais alta no futuro tende a pressionar a taxa de juros. Secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron
Alexandro Martello
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu alterações no projeto que renegocia as dívidas dos estados para reduzir os benefícios concedidos (entenda mais abaixo).
O texto foi aprovado em agosto pelo Senado Federal. Mas, para ter validade, ainda precisa passar pelo crivo da Câmara dos Deputados.
Essa é considerada a maior rodada de renegociação das dívidas estaduais desde 1997, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
💵 O governo calculou, em março, que as dívidas dos estados somam mais de R$ 700 bilhões. A maior parte do valor se refere aos débitos de quatro estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Economistas ouvidos pelo g1 opinaram que o projeto tem potencial de impulsionar ainda mais a dívida pública brasileira — que já está em patamar elevado para o padrão de países emergentes.
O tema está sendo discutido em um momento no qual o governo tenta equilibrar suas contas, buscando o déficit zero neste ano e em 2025, justamente para tentar impedir o crescimento da dívida pública — indicador que influencia a taxa de juros da economia.
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Veja o que diz o projeto
O texto aprovado pelo Senado Federal possibilita que os entes que aderiram ao atual regime de recuperação fiscal migrem para esse novo plano, chamado de Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
Essa mudança de um regime para o outro será gradual, dentro de cinco anos.
Pelas regras atuais, as dívidas são corrigidas pelo que for menor entre a taxa básica de juros, a Selic, e uma soma da inflação oficial e 4% ao ano. O projeto mantém o formato atual dos juros (IPCA + 4%), mas prevê mecanismos para reduzir e até zerar esse índice adicional.
O estado terá de direcionar obrigatoriamente uma parte – que pode variar de 1% a 2% – do montante da dívida para um fundo de equalização, compartilhado entre todos os estados brasileiros, inclusive os não endividados. Com essa medida, o ente reduzirá até dois pontos percentuais dos juros adicionais.
A depender de quanto cada estado colocar no fundo compartilhado, o estado poderá zerar os juros que excedem a inflação de outras maneiras:
menos 1 ponto percentual: se o ente entregar seus ativos à União, em um montante de 10% a 20% do valor total da dívida;
menos 2 pontos percentuais: se o total de ativos entregues chegar a mais de 20% do valor da dívida;
de 0,5 a 2 pontos percentuais: se o valor correspondente for revertido em investimentos no próprio estado, nas áreas de educação, infraestrutura e segurança pública. A maior parte dos recursos, mínimo de 60%, vai para educação profissional técnica de nível médio.
O estado que não optar pela entrega de ativos vai poder diminuir até 2% em juros apenas realizando os investimentos locais, especialmente em educação profissionalizante.
Portanto, o ente poderá zerar os juros adicionais somente com o investimento e o repasse para o fundo compartilhado.
O que defende o Tesouro Nacional
Em entrevista ao g1 e à TV Globo, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu mudanças justamente neste ponto que permite que os estados paguem somente IPCA, sem um acréscimo em termos de taxas de juros.
“Nós defendemos pelo menos ali o IPCA mais 1%, tá? Pelo menos tem uma redução ali, tem um subsídio para poder voltar, acabar com a recuperação fiscal, todo mundo voltar a pagar encargos de dívida. Acabou no final lá ficando, na prática, podendo chegar a IPCA mais zero. Ou seja, só correção monetária se não tem juros reais. Traz um impacto”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
Ele explicou que o projeto não traz impacto primário, ou seja, no orçamento do governo para gastos correntes.
Entretanto, tem impacto financeiro ao reduzir o que os estados pagam, pois eles passarão a contar com uma taxa de juros menor do que a União se financia no mercado interno.
“Ele tem um custo financeiro que atrapalha a trajetória da dívida”, disse.
“Então, eu tenho ali um subsídio implícito para os estados, isso existe, mas ele não afeta o primário. Ele tem um custo financeiro que atrapalha a trajetória da dívida. Ele atua negativamente nisso”, acrescentou Ceron.
Ele lembrou, entretanto, que estados estão conseguindo liminares na justiça nos últimos anos, e, por isso, não estão efetuando o pagamento efetivo de sua dívida com o governo federal. Por isso, apoia que a aprovação de um projeto que equacione a situação.
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Impacto do projeto
Segundo Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE, os estados como um todo “tenderão às alternativas que resultam em pagamento de IPCA + 0% nas suas dívidas na União”.
Tendo por base essa premissa, Pires calculou que o impacto do subsídio anual do projeto de lei é de R$ 48 bilhões por ano (na dívida do setor público).
Mas ele explicou que o subsídio efetivo será ainda maior, justamente porque alguns dos principais estados em dificuldade (grupo no RFF, que inclui grandes estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro) pagarão ainda menos nos primeiros anos, pela regra de transição.
Considerando a escada de pagamentos para esses estados, o subsídio deve chegar a R$ 62 bilhões no primeiro ano, calculou Manoel Pires, FGV IBRE.
De acordo com Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do estado de estado de São Paulo, o projeto elevaria a dívida pública, até 2033, em 2,4 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) se aprovado, o equivalente a um aumento de R$ 462 bilhões no período.
Segundo Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, ex-secretário do Tesouro Nacional, a estimativa preliminar é de que a dívida pública avance de 1,8 ponto percentual no mesmo período de dez anos com as novas regras.
Esse cálculo considera o desconto em juros que todos estados teriam. Levando em conta que somente São Paulo não tem ações na Justiça para não pagar a dívida atualmente, o efeito de aumento na dívida seria menor.
Jefferson Bittencourt observou ainda que o projeto aumenta a incerteza fiscal, o que representa mais “prêmio de risco”, com impacto nos juros cobrados pelos investidores.
“Mais incerteza fiscal é mais prêmio de risco, é mais juros, pois piora a dinâmica da dívida. Quanto isso vai ser repassado, é difícil de a gente saber. Pois pode ser que seja diluído ao longo de um monte de coisas. Mas uma coisa que é estrutural e que os investidores que ser dedicam a isso já perceberam, é que as questões federativas têm decisões assimétricas. Os estados têm uma guarida no Judiciário [para não honrar os contratos, por meio de liminares]”, acrescentou Jeferson Bittencourt, do ASA.
Comparação internacional e impacto na economia
A dívida do setor público consolidado fechou o mês de julho em 78,5% do PIB – o equivalente a R$ 8,8 trilhões, segundo informações do Banco Central.
Se for considerado o critério do Fundo Monetário Internacional (FMI), que contabiliza os títulos públicos que estão na carteira do BC e que é utilizada na comparação internacional, a dívida brasileira terminou o primeiro semestre em um patamar maior ainda: em 88,9% do PIB.
Neste patamar, a dívida brasileira está abaixo de nações desenvolvidas, próxima de países da União Europeia e acima dos emergentes, da América Latina e do Caribe.
💵A relação entre dívida e PIB é um indicador relevante para o mercado, interpretado como um sinal da capacidade do país de honrar seus compromissos financeiros de curto, médio e longo prazo. Quanto maior a dívida em relação ao PIB, maior o risco de um calote em momentos de crise.
💵Além do patamar da dívida, a performance das contas públicas também é avaliada por investidores.
No ano passado, em meio a ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para baixar a taxa de juros da economia, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, explicou no Congresso Nacional como a dívida pública influencia a taxa de juros brasileira.
“Na parte dos juros, a gente não pode confundir causa e efeito. A dívida não é alta porque o juro é alto. É o contrário, o juro é alto porque a dívida é alta. Quando você, endividado, vai ao banco e o banco faz uma análise que você é endividado e não paga a dívida, o juro é alto”, explicou Campos Neto, na ocasião.
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