Especialistas indicam possível encarecimento da dívida e melhora da renda fixa no curto prazo, mas têm perspectivas mais otimistas à frente. Pessoas acompanham a inauguração de escultura de um touro dourado em frente à sede da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), no Centro de São Paulo, nesta terça-feira (16).
BRUNO ROCHA/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO
Os resultados da última “Superquarta”, que reuniu decisões de política monetária do Brasil e dos Estados Unidos, devem trazer uma nova fase para o mercado de capitais brasileiro.
Na véspera, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu subir a taxa básica de juros (Selic) por aqui. A alta foi de 0,25 ponto percentual (p.p.), para 10,75% ao ano. Foi o primeiro aumento da taxa no atual mandato de Lula.
Já no exterior, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu por fazer o primeiro corte de taxas na maior economia do mundo em quatro anos. A redução foi de 0,50 p.p., para o intervalo entre 4,75% e 5%.
É uma situação muito particular, pois as decisões apontam para direções opostas. Juros mais altos costumam contrair o apetite de investidores para o mercado de risco. Mas com as taxas se reduzindo nos EUA, a procura por investimentos mais rentáveis também se intensifica.
Especialistas consultados pelo g1 dizem que, apesar de distintas, as decisões têm efeitos importantes no mercado de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) do país, que está em uma seca de quase três anos.
Os analistas apontam quatro tópicos de atenção para o mercado de capitais nos próximos meses, tais como:
O encarecimento da dívida das empresas;
Uma possível redução da liquidez da bolsa de valores brasileira;
A maior atração de investidores estrangeiros;
Uma maior confiança na política monetária do país.
Entenda nesta reportagem quais as expectativas à frente.
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Sinais opostos e efeitos diversos
Segundo especialistas consultados pelo g1, as decisões opostas de juros do Copom e do Fed tendem a ter diferentes impactos no mercado de IPOs ao longo do tempo. Há questões de curto e de longo prazo.
▶️ Efeitos no curto prazo
Em uma primeira leitura, há a expectativa de que a nova alta da Selic encareça o custo da dívida das empresas e possa mudar o cálculo do seu “valuation”. O valuation é o processo de atribuição de um valor de mercado para uma companhia.
É por meio dele que investidores decidem se a empresa está cara ou barata em relação à previsão de retorno do investimento ao longo do tempo. É assim que se decide se vale a pena investir nas ações da empresa — e também é assim que os empresários entendem se é um bom momento de se lançar à bolsa.
Com juros mais altos, o retorno esperado de se investir em uma empresa pode mudar, diminuindo a atratividade. Esse cenário se soma ainda à maior rentabilidade dos investimentos de renda fixa, que são mais seguros e acompanham a alta da Selic.
Essa retração do apetite dos investidores tende a diminuir o fluxo de recursos para a renda variável, o que reduz os negócios na bolsa de valores. É o que o mercado chama de diminuição da liquidez.
“É importante reconhecer que teremos esse ciclo e que ele terá um impacto de curto prazo. A alta de juros carrega a dívida da companhia e deve ter um impacto negativo no balanço, porque aumenta o encargo. Mas, no longo prazo, pode ser positivo para as ações porque mexe com a curva de juros futuros”, explica Guto Leite, gestor de renda variável da Western Asset.
Em outras palavras, essa maior dificuldade no curto prazo pode ser importante para organizar as expectativas do mercado. Como mostrou o g1, o mercado entendeu o movimento de alta de juros como uma busca de credibilidade para o momento de transição de presidência do BC, que passará de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo em 2025.
Então, a alta recente da Selic pode vir acompanhada de um período maior de análise por parte das empresas, e acabar estendendo o período de seca no país. Mas a previsibilidade do que deve vir adiante, do ponto de vista de inflação e juros, pode estimular as empresas a se preparar para abrir capital no médio prazo.
Nesta semana, por exemplo, a Moove, empresa de lubrificantes da Cosan, entrou com o primeiro pedido de IPO de uma empresa brasileira em três anos — o último havia sido o do Nubank, em 2021. A listagem será nos Estados Unidos.
“Já começamos a ver alguns movimentos e a ter algumas coisas mapeadas, principalmente em follow-ons [ofertas secundárias de ações, quando a empresa já está na bolsa]. Em IPOs, não temos tantas coisas por enquanto”, acrescentou o gestor da Western Asset.
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▶️ Efeitos no longo prazo
Para um prazo mais longo, os especialistas estão otimistas. O tom mais duro adotado pelo Copom em seu comunicado, na interpretação do mercado, serviu para reduzir as incertezas em relação à seriedade da instituição no cumprimento das metas de inflação.
Mesmo que ainda esteja dentro do que se considera uma meta de inflação cumprida, em que o teto é de 4,5%, o BC é obrigado também a olhar as projeções para meses (e anos) à frente, em que o IPCA está gradualmente se distanciando dessa mesma meta.
Inflação “desancorada” é o jargão do mercado financeiro para definir esse momento em que as projeções dos economistas começam a escapar do que o BC precisa cumprir pela meta de inflação.
“O que o BC está fazendo é tentar reancorar as expectativas do mercado, indicando estar supervigilante sobre a inflação. E um grande efeito secundário disso tudo é uma queda na curva de juros futuros, um efeito muito benéfico para as ações”, disse o diretor do Bradesco BBI Felipe Thut.
A curva de juros é uma espécie de projeção do mercado para o patamar de juros no futuro. Essa elevação agora é interpretada como uma chance menor de que as taxas estejam elevadas daqui cinco ou 10 anos, por exemplo.
E isso é positivo para quem investe em ações para o longo prazo. Se os juros estiverem, de fato, menores em um horizonte de tempo maior, mais chance de que as ações tenham se valorizado nesse intervalo.
“O ciclo de aperto mostra um trabalho por parte do Banco Central, de ganhar credibilidade e realinhar as expectativas de inflação. E esse é um cenário positivo para a renda variável”, acrescentou Leite, da Western.
Em seu comunicado, o Copom informou que há uma “assimetria altista em seu balanço de riscos”, o que significa que há mais riscos de alta do que de baixa da inflação à frente.
Entre os riscos de alta, o BC indicou:
uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado;
uma inflação de serviços ainda mais forte do que a projetada; e
uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada.
Já entre os riscos de baixa, o comitê ressaltou:
uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e
os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global, que também estão mais fortes do que o esperado.
Ainda segundo o BC, o ritmo de ajustes futuros e a magnitude do ciclo de altas serão ditados pelo compromisso de convergência da inflação à meta de 3%. Hoje, elas estão em 4,3% para 2024 e 3,7% para 2025 nos modelos da instituição.
Segundo o boletim Focus, que reúne projeções do mercado financeiro, a expectativa é ainda pior, de 4,35% para 2024 e 3,95% para 2025.
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Volta dos investidores estrangeiros
Além disso, outro ponto positivo abordado pelos especialistas é a tendência de volta dos investidores estrangeiros para o Brasil ao longo dos próximos meses.
Quando os juros ficaram mais baixos nos EUA, os rendimentos das Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano, tidos como os mais seguros do mundo) também diminui.
Com isso, há a expectativa de uma migração de recursos por parte dos investidores estrangeiros, que retiram seus investimentos de economias desenvolvidas e realocam em ativos mais rentáveis, eventualmente de países emergentes — como o Brasil.
Nesta semana, o Fed realizou o primeiro corte de juros desde 2020. Entre o fim do ano passado e o começo deste, mais da metade do mercado esperava pelo menos um primeiro corte ainda no primeiro semestre. Mas as projeções foram sucessivamente adiadas.
Além do atraso, uma pitada de problemas internos, como a questão mal endereçada das contas públicas, reduziu o fluxo de investimentos para o Brasil. Dados da B3, por exemplo, indicam que os investidores estrangeiros retiraram mais de R$ 20 bilhões da bolsa de valores brasileira só neste ano.
Agora, com uma diferença ainda maior entre as taxas americanas e as brasileiras, esse fluxo pode se inverter. Para Thut, do BBI, a expectativa é que o investidor estrangeiro venha para o Brasil antes mesmo de os próprios investidores brasileiros retirarem seus recursos da renda fixa para realocarem na bolsa de valores.
“O dinheiro dos investidores brasileiros vai voltar para a renda variável talvez de uma forma mais gradual, ao longo dos próximos meses ou do próximo ano. Mas, de qualquer forma, esse movimento é superimportante porque, no fundo, veremos um fluxo maior de estrangeiros vindo para o Brasil, o que deve dar suporte para novas ofertas de ações”, disse.
Os especialistas acrescentam, no entanto, que ainda não é possível saber ao certo quando deve ser a próxima janela de oportunidades para que os IPOs voltem a crescer no país, uma vez que existe uma série de fatores internos que também precisam ser resolvidos.
“Existem diversas companhias querendo fazer IPO e só aguardando o momento de volta do mercado. Mas é difícil cravar quantas devem ser. Infelizmente, não devemos ver uma safra como a de 2021, quando 46 empresas vieram a mercado. Mas a expectativa é que os IPOs voltem, primeiro em quantidade menor e depois aumentando, a depender do cenário”, completou Thut.
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